Mais Sobre Mim

Venho de uma família típica de imigrantes europeus. Da família do meu pai trago ascendência judia e por parte da minha mãe tenho ascendência alemã. Sou a primogênita de onze filhos. Quando meu irmão nasceu, fui condecorada com o título de “mais velha”. Tinha um ano de idade e desde então lembro que tinha que ajudar a mamãe, cuidando de mim mesma e dos irmãos mais novos. Com meu pai sempre viajando e minha mãe envolvida por filhos, logo me dei conta que “longe dos olhos deles” podia explorar e experimentar no mundo o que quisesse. Este sentimento de liberdade e curiosidade me acompanha até hoje. Vivi muito cedo a cisão entre o discurso dos meus pais e suas atitudes. Descobrir isto em mim e nos outros mais tarde me trouxe muita dor. Nada fazia sentido, sentia-me só e muito confusa.
 
Encontrei enorme prazer na leitura. Os livros me falavam de outros mundos, de pessoas e lugares bem diferentes dos que eu conhecia. Quanta emoção! Ah! Como eu sonhava com uma vida fascinante e cheia de aventuras. Queria crescer logo, correr o mundo. Era ruim ser pequena.
 
Fui uma adolescente difícil e com quinze anos fugi de casa e fui morar em São Paulo. Minha alegria durou pouco. Minha mãe me trouxe de volta. Ser obrigada a voltar foi muito difícil, pois o diálogo entre nós era cada vez pior, bem como a distancia emocional. Aos poucos eles começaram a me deixar de lado. Tinha desenvolvido um arsenal de chantagens para ter uma convivência mais pacífica e fazer o que eu queria: mentia, fazia greve de fome, gazeteava aula, só ia à igreja se me deixassem ir à festa, enfim tornei-me uma especialista em manipulação e controle. Mas não era feliz. Não era isso que escolhia para mim. E chega um tempo para tudo.
 
E também chegou o tempo de reconhecer que o que eu buscava era resgatar o que há muito tinha perdido e esquecido: eu mesma. Foi muito duro. Era dor, pesadelos e lágrimas. Ver tantos pedaços de mim esquecidos, negados e desconhecidos. Que vontade que eu tinha de desistir. Como era difícil ser eu mesma, principalmente com as pessoas que amava.
 
Aprendi, mesmo sem saber, que por mais confuso e difícil, há um caminho. Que existe em mim alguma coisa, uma força, certeza ou sabedoria interna que me conduz, apesar da minha solidão, ignorância e limitações. Resolvi pedir ajuda e fui fazer análise. Aos poucos, fui me arrumando. Muitas coisas eu entendia, outras não combinavam comigo. Continuavam faltando coisas. Às vezes pensava que se eu fosse analista, faria diferente com meus clientes.

Vivi momentos difíceis em família. Cada pedaço meu esquecido, tinha um posseiro; para cada cobrança, um sentimento de culpa. Mas à medida que ia me juntando, descobria coisas boas e positivas em mim. Sentia-me mais inteira e capaz. Eu e meus filhos éramos amigos. Conversava muito com eles e aprendia muitas coisas. Sentia-me grata e por poder compartilhar nossas vidas. Podia ter muitas dificuldades, mas como mãe, sempre estava atenta, numa relação sincera de troca. Isto sempre me deu forças para continuar tentando.
 
Acreditava no ser humano, mas o outro ainda era um mistério para mim. Queria fazer alguma coisa. Foi quando me descobri profundamente desejosa de conhecer mais o outro. Queria ajudar, compartilhar. E minha inquietação levou-me a ser voluntária numa instituição que oferecia auxílio gratuito e anônimo a pessoas em dificuldades emocionais.
 
Foi uma grande escola; foram anos de trabalho e tentativas, com mais decepções que alegria. Quando saía de um plantão exaustivo, tinha certeza que de alguma forma isto também me ajudava. Fiquei mais alerta, aprendi a compartilhar com menos medos, confiava mais em mim e gostava quando as pessoas me tocavam. E o faziam de maneiras tão especiais e únicas, que diante do meu intento de procurar  razões ou explicações, me deparava sempre com o fenômeno presente de estar com elas. Havia troca, mesmo em momentos de tristeza e raiva. Aprendi que para aceitar as limitações do outro, não precisava ser melhor ou pior que ele, mas sim, aceitar primeira as minhas limitações.

E foi muito difícil. Entrar em contato e aceitar os meus sentimentos negativos era uma coisa nova para mim. E Rogers foi outro encontro significativo em minha busca com o qual me identifiquei como tempos atrás o havia feito com Freud. Não que ele me falasse de mais um caminho. Ele falava do meu caminho, do que eu tinha vivido e sentido até então. E entre o ingresso na faculdade, minhas formações e meu encontro com Alexander Lowen, já se vão mais de trinta anos.

Não creio em acasos e coincidências. Tão pouco creio que, se escolhi a profissão de ser psicoterapeuta, fosse um repouso de sabedorias e certezas. Sinto-me cada vez mais segura e confiante nas minhas dúvidas, no meu pequeno saber e do meu compromisso de crescer enquanto pessoa e com pessoas em relacionamentos.

Relacionamentos são redes que tecemos com  emoções. É o lugar onde podemos mostrar, treinar, desenvolver e aprimorar nossos sentimentos. E quanto mais fundo mergulhamos, mais rico e feliz  é nosso aprendizado, mas também, mais riscos corremos de nos machucar porque estamos abertos e vulneráveis. Por isso é tão importante aprender e conhecer nossas emoções. Para mim é minha idéia seminal em torno do qual gira minha vida e meu aprendizado como Ser Humano.  Viver minhas emoções é afinar meus sentimentos constantemente, como se afinam as cordas de uma harpa, ajustando-a ao som de cada melodia ou às mãos do músico. Quanto mais atenta estiver às minhas cordas, com mais precisão vou captar o tom da melodia que o músico quer tocar. E quanto mais cordas afinadas eu puder oferecer ao músico, mais profunda, bela e rica será a nossa melodia.
 
De nada adianta uma harpa afinada.
 
A melodia só acontece se o músico a tocar.
 
Por isto quero te fazer um convite:
 
Proponho-te nos dar as mãos, nos conhecer. Compartilhar idéias, sentimentos. Trocar sonhos e desejos.
 
Proponho-te mergulhar de mãos dadas, em mundos que nós temos medo de mergulhar sozinhos. Confesso que já andei muito só. Não foi bom. Fiquei tão assustada com que vi, que o medo me impediu de  voltar.

No mundo do ódio e da raiva sempre me senti muito só. Eu proponho estar contigo no ódio, na raiva e nas horas difíceis.
 
No mundo do desespero e da dor, eu afundei, sufoquei, senti uma mão. Estava fria inerte; agarrei-me desesperadamente a ela. Quando quis agradecer, quanta dor; a mão era minha! Que solidão!  Quanta riqueza eu deixei de compartilhar contigo.
 
Do mundo dos prazeres e do amor, posso falar dos meus e tu, dos teus. São loucuras inexplicáveis que manteremos segredo, pois a incoerência e falta de lógica são as donas deste mundo.
 
Do mundo da morte, nunca quis saber. Sempre fugi da minha. Tenho muito medo. Sou muito covarde. Mas quero te contar que tive o privilégio de ficar de mãos dadas com a minha filha, que teve coragem de mergulhar nele recentemente.
 
Dor, solidão, ódio, raiva, rejeição e desespero, eram nada diante da angústia que vivi com ela. Meu não saber e a minha incompetência eram nosso único guia, nessa viagem que eu não sabia se ela queria voltar. Só me restava a paciência e o amor.
 
O tempo não tinha mais horas nem dia. O sol não nos aquecia. As paredes do hospital eram frias. Dor e raiva eram nossa morada.
 
Quando senti que ela lentamente ia voltando, a alegria e a certeza de que tínhamos conseguido, tomou conta de mim completamente. E no momento em que larguei a mão dela para aplaudir nossa vitória, eu vi que ela tinha cindido. Tão partido quanto cada osso estavam as partes dela. Isto foi demais para mim.
 
O tempo que já não tinha horas parou. Não tinha mais chão para explodir. Implodi. E pedaço por pedaço, fui desmoronando e lá fiquei. Queria dar a mão a ela novamente, mas não conseguia. Quis abraçá-la e me vi sem braços. Quanto tentei amá-la, a rejeição foi nossa companheira. Procurava desesperadamente alguma coisa para dar a ela, não tinha nada. E meu desespero aumentava sua dor.
 
Alimentávamos-nos de ódio, mágoas, raiva e onipotência. Agredíamos-nos fisicamente, com ameaças e com palavras. E além da sua fragilidade e dor, ela teve que suportar minha ironia, meu saber e meu orgulho ferido.
 
Quando eu não tinha mais nada para fazer ou dar a ela, resolvi abandonar tudo e estar com ela como eu podia, sem nenhum compromisso de nada. E esse estar com ela, despojada de todo e qualquer valor, conceito ou pré-conceito, foi o suficiente para  ampará-la e dar condições dela fazer suas escolhas. E ela resolveu viver em vez de morrer.
 
Foi difícil o caminho de volta. Estarmos juntas ajudou muito e foi positivo. E juntar nossos pedaços a quatro mãos é muito gratificante. Ela já não está mais em cadeira de rodas. Hoje, é uma bela mulher, independente e dona de sua vida. Isto me deixa muito feliz.
Por isto, por mim e por ti, eu te estendo a minha mão e te convido:
 
Vamos Compartilhar?
 
Hoje, tenho uma profunda reverência pelo ser humano. Cada vez mais me convenço de que cada pessoa, na sua forma de ser no mundo, é um somatório vasto, único e repleto de razões para funcionar assim.
 
À medida que vou vivendo, valores como bom-mau, saúde-doença, normal-anormal, moral-imoral; vão perdendo o sentido e cada vez mais, sinto que meus juízos de valor, não me facilitam em nada.
 
Faz sentido para jogar tudo isto fora e ficar somente com o que é. Viver simplesmente o é, me enriquece e auxilia na percepção que eu posso ter de mim e do outro. Aprendo com isto que eu sou um ser em relação e meu ser no mundo é co-autor e responsável pelo que existe. Esta consciência de me saber responsável por mim enquanto ser - relacional me dá suporte para estar mais aberta às pessoas, e aberta para aceitar ou modificar situações que antes eu pensava e sentia imutáveis.
 
Aprendo ainda a conviver cada vez mais com certezas efêmeras, que servem enquanto forem úteis, mas me educo abandoná-las à medida que me impedem de estar com o outro. Trilhar neste caminho é difícil, mas gratificante. Ainda sinto-me muito só. Ainda é difícil para mim compartilhar assim com o outro. Muitas vezes percebo que continuo querendo impor ao outro o que é positivo para mim. Sou eu que insisto em me pendurar com meus valores e crenças, não conseguindo chegar até o outro. Reconheço que é a minha volutivilidade que mais me ajuda nas horas difíceis, mas também,  a que mais dificuldades me trás nos momentos fáceis. E não sei ainda o que  fazer com isso.
 
Ao refazer esse texto para o site,  sinto que uma parte da jornada foi feita. Hoje, sou feliz e sinto-me mais segura para arriscar. Tateio meus sentimentos com menos censura. Sinto que estou no momento exato de errar, de acertar, de perder, ganhar, amar, odiar, viver e aprender com cada pessoa que passa pela minha vida! Permito-me viver mais intensamente meus desejos, tanto no prazer como na dor. Nem sempre é fácil, mas sem dúvidas sinto-me renovada, voluntária e responsável pelo meu crescimento como pessoa.
Tem um provérbio que diz que "O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem..."

Conte-me com que intensidade você esta vivendo sua vida hoje?